Gestação

Fui penetrada.

Senti o líquido percorrer minhas entranhas.

A força de fricção me esquentando por dentro.

Dancei a valsa dos prazeres que percorrem a espinha

e terminam num suspiro inaudível e quente.

Penetrou-me a potência da possibilidade

e o que ela faz é mais do que se pode ver.

É microscópico de início,

mas, encontrando solo fértil,

frutifica e ponto.

Gerei por meses a fio,

deixando crescer e tomar forma os meus sonhos.

Alguns tão grandes que me fizeram vomitar.

Senti as dores nas costelas dos chutes que levei,

mas era só porque algo se expandia em meu ventre.

No final, eu mal podia suportar o peso

e a dimensão do que criei.

Queria expelir, queria expor,

mesmo sabendo a importância da maturação.

Cautela eu tive então.

Aguentei firme.

E foi aí que veio.

Jorra pelas minhas pernas o sinal.

A água que corre livre, já tendo cumprido seu destino:

nutriu, guardou, abrigou.

Agora parte para deixar evoluir.

Sinto a primeira contração:

dores de autodepreciação.

Trepido com a segunda: 

castiga e maltrata a opinião do outro.

Sem consideração, sem gentileza, sem fé.

“Sensível demais”, dizem eles,

enquanto se contorce o meu útero,

pronto para fazer nascer.

Terceira, medo.

Quarta, choro.

Quinta, raiva.

Sexta, agonia.

Aí vem a última e decisiva.

Grito como selvagem,

empurro como mulher.

E então, a explosão.

Observo a criatura estranha e frágil

e reparo, em meio ao inchaço, os traços de semelhança.

Me vejo, sou eu.

E, ao mesmo tempo, não me conheço. 

Inspiro, sorrio, agradeço e concluo:

Pari uma artista!