Fotografias

Ela estava no quarto, em silêncio, sentada à beira da cama. Vestia uma camisola confortável e pantufas nos pés. Já encarava o espelho por cinco, talvez dez minutos. Seus olhos passeavam lentamente sobre a imagem projetada, vez ou outra levando a mão sobre alguma parte do corpo. Ateve-se um tempo às rugas do rosto e aos cabelos brancos, até que tirou a camisola, revelando seios já cansados e flácidos e um corpo de bonitas curvas, sob uma pele fina e muito branca.

Virou-se novamente para a cama, passando a mão sobre o antigo colchão, agora vazio. Deu a volta, pegando o travesseiro disforme que estava do outro lado. Ela o acariciou por um tempo, aproximou-o do rosto e deixou que a fronha lhe enxugasse os olhos.

Retirou um álbum empoeirado de dentro de um gaveteiro. Dois jovens de expressões leves sorriam na primeira fotografia: uma moça sobre um balanço e um rapaz em pé, com a mão em suas costas. A segunda imagem revelava o mesmo casal se beijando diante de um pôr-do-sol sobre o mar. Havia ainda outros registros dos dois em meio a diferentes paisagens e contextos.

Os dedos enrugados continuavam folheando com delicadeza, demorando-se um pouco mais em algumas fotos de uma mulher diante de um microfone, com um violão em mãos. Alguns palcos e plateias diferentes, mas sempre a mesma cantora. Depois, fotos de um casamento; muitos registros de pessoas reunidas em torno de uma mesa posta; a cena de um casal bem arrumado, com o homem exibindo uma espécie de troféu; e, por fim, três ou quatro fotos de um senhor e uma senhora, aparentemente celebrando bodas.

Já fechava o álbum quando reparou uma foto caída no chão: uma jovem com um vestido vermelho, lantejoulas cobrindo o busto, sentada sobre uma mureta por trás da qual se apresentava um jardim vigoroso. Encostado no chão e escorado por suas mãos, um violão preto. Ela sorria com os olhos muito pequenos, e os cabelos compridos e castanhos levemente esvoaçados.

A senhora largou o álbum e a foto sobre a cama. Procurava algo dentro do guarda-roupa. Aventurou-se a subir em um banquinho para alcançar a última prateleira, de onde tirou uma caixa. Saiu em direção ao banheiro, sem nem fechar a porta, de forma que o vapor se espalhava pelo corredor. Depois de desligar o chuveiro, ainda se demorou um pouco. Quando voltou ao quarto, pareceu hesitar: diminuiu o ritmo dos passos, endireitou a coluna e pôs-se novamente em frente ao espelho.

Observava o que lhe refletia: uma mulher de cabelos brancos usando um vestido vermelho com lantejoulas no busto. A senhora pareceu congelar por um tempo. Lentamente, deixou que a perna esquerda lhe sustentasse o corpo, desencostando o calcanhar direito do chão, e virando-se para verificar como o vestido lhe caía de costas. Fez o mesmo para o outro lado. Depois penteou os cabelos e passou um batom igualmente vermelho.

A mulher passou a apresentar movimentos mais precisos. Em pouco tempo, parecia embalada por alguma música em sua cabeça, já que seus ombros e quadris mantinham um balanço ritmado, lento e sutil. Fechou os olhos e relaxou os lábios, desencostando a mão esquerda da coxa para estalar os dedos. Imediatamente pareceu tomada de uma força diferente, seus movimentos tinham elegância e firmeza, enquanto seu rosto abrigava um sorriso confiante.

Cantou. Baixinho no início, suave. O volume de sua voz parecia ser regido pelos próprios movimentos, de forma que, quando já não se detinha ao espaço em frente ao espelho, seu canto certamente já poderia ser ouvido por algum vizinho. Quando terminou a música, transpirava. Entretanto, não parecia cansada o suficiente, pois, quase imediatamente, passou a mão sobre a bolsa pendurada atrás da porta e saiu.

Já escurecia quando surgiu novamente o barulho das chaves na maçaneta. Entrava majestosa a senhora do rubro vestido. Dessa vez, porém, não estava só: em uma mão, um violão; na outra, um álbum - vazio.