Lá do alto

em terça-feira, 5 de maio de 2020

Ela encarou aquela formação montanhosa por um tempo. Parada, com as mãos na cintura, cabelo preso em um rabo de cavalo perfeitamente amarrado e pendendo por cima da mochila. Resolveu reforçar mais uma vez os nós dos tênis, com as mãos que denunciavam seu nervosismo. Resistia ao ímpeto de voltar ao Palio que lhe trouxera até ali. Ela tinha decidido, não dava para voltar atrás. Encarou mais uma vez o cume e foi.

Já nos seus primeiros passos, retomava tudo o que havia lhe levado até aquele ponto. Sua primeira paixão, Caio, foi quem tinha despertado nela o gosto pelas trilhas. Eles eram tão novos e cheios de vida, de planos, de aventuras... Eram como os clássicos amantes de primeira viagem, vivendo tudo intensamente e achando que ninguém mais no mundo poderia amar como eles. Mas, como a maioria desses jovens apaixonados, algo aconteceu no caminho e eles desencantaram. Para ela, um término doloroso. Para ele, nem tanto, já que dali a poucos meses já amava eternamente um outro alguém. Ainda assim, essa memória lhe trazia conforto. Tinham sido bons um para o outro e talvez em um outro tempo, quem sabe, poderiam ter dado certo.

Perdida em seus pensamentos, mal percebeu que já chegava na metade do caminho. Parou por alguns instantes, soltou o braço esquerdo da mochila e pegou a sua garrafa de água. Enquanto se hidratava um pouco, percebeu em uma árvore um macaquinho que lhe encarava, mal acostumado com os frequentes mimos gastronômicos dos turistas indisciplinados. A moça ficou ali, desconcertada com aquele olhar fixo sobre ela, como se aquele animalzinho curioso soubesse o que ela estava prestes a fazer. Então, ela mesmo se lembrou do que lhe esperava. Um arrepio lhe percorreu a espinha, mas não parou. “Chega! – pensou – Chega dessa vidinha mais ou menos, tem que ter algo do outro lado...”. E continuou.

Bruno foi o seu segundo amor. Um amor arrebatador. Ela mal conseguia acreditar que ele fosse o seu namorado. Tão lindo, inteligente e autoconfiante! Nem sabia explicar como aquele homem que a surpreendera de tantas maneiras criativas e cheias de afeto pudesse, no fim, ter-lhe descido a mão, mais de uma vez. Foi preciso muita coragem para enfrentar a desilusão. E muitas sessões de terapia. A verdade é que ele a havia quebrado em micro-pedacinhos que ela demorara muito tempo para remendar. Pensando bem, talvez estivesse remendando até hoje.

Agora o cume já estava perto. Ela podia ver aquele clarão que vinha se abrindo. Mais alguns metros e chegaria lá, no fim daquilo tudo. Sentiu um aperto grande no peito e precisou se sentar em uma pedra que estava ao seu lado, solidária àquele momento. Era como se toda a natureza daquela trilha soubesse o que ela faria. Despencou ali, chorou o peso que trazia na alma: a saudade da leveza do primeiro namoro, as marcas e feridas do segundo, e a ausência sufocante do terceiro e – agora ela sabia – único verdadeiro amor. Como ele tivera a audácia de deixá-la!? Ir embora assim, quando eram completamente felizes. Ele, que lhe ajudou a se refazer...

Respirou fundo, jogou um pouco de água sobre o rosto e se levantou de supetão. “É isso... eu vou saltar!”, foi tomada por um impulso de quem sabe o que precisa ser feito. Observou aquela esplendorosa vista, como que lhe presenteando pela firme decisão. Largou no chão a mochila, se alongou, buscou no horizonte algo que pudesse lhe confortar, arrumou mais algumas coisas e avisou “Estou pronta!”. Correu, correu muito, correu livre. Quando percebeu a ausência de atrito nos pés, gritou: “Leandroooooo!”. Os turistas, que admiravam a paisagem no alto daquela montanha, se viraram para ver. 

Depois de alguns longos segundos, reaparecia ela. Passando por sobre o mar do Rio de Janeiro, soube que era a hora. Virou a urna que carregava nas mãos. O instrutor, atrás, se mantinha concentrado nas correntes de vento... já estava acostumado a ver aquele tipo de cena. Enquanto as cinzas de Leandro caíam sobre o mar, lágrimas percorriam o rosto daquela mulher até encontrarem um leve sorriso que, no silêncio, dizia: “Eu vou sobreviver, mais uma vez!”.

11 comentários:

  1. Amiga, o ceu não é limite pra você, seus sonhos e projetos! O texto me deixou com vontade de quero mais e já quero saber do que morreu esse homem hahaha obrigada por trazer essa distração também pra gente nesse momento! Te amo e voa, passarinha!!!

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  2. Eitaaaa!!!!
    Muito obrigada por estar sempre me surpreendendo de uma forma tão felizzz!!!!
    Vc sempre me emociona!!!
    Sou sua fã de carteirinha!!!
    Até então não tenho Instagran...mas agora tenho um ótimo motivo para tê-lo!!!!
    Siga em frente querida!!!!
    Vc vai muito longe!!!
    Bjs
    Mamãe

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  3. Torcendo pra essa história continuar...
    Parabéns Rebs,muito orgulhosa dessa escritora tão criativa ❤

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  4. Ahh muitas possibilidades no decorrer do texto, surpreendente!
    Parabéns amiga pelo texto e por seguir seus sonhos e ter a coragem de 'saltar'!

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  5. Levei um tremendo susto. Achei que ela estava se matando. Bem legal o suspense. Muito boa escritora.

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  6. Agradeço por tua decisão de saltar, Rebeca. Animado para acompanhar esse voo e desfrutar de teus escritos, te desejo bons ventos, de inspiração e ânimo.
    André

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  7. Amei! Tinha ficado meio chocada com o suicídio, mas vc me surpreendeu! Rs Vou ler o capitulo 1 agora! Kkkkkkkk Já estou na fila do livro todo

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  8. Poxa, acabou muito rápido! Meu inconsciente já estava achando que era mais um romance que eu ia ler em no máximo 3 dias!! Parabéns, Rebeca!

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  9. Que delícia de texto Rebeca. Estou imensamente grato e feliz por descobrir seu talento de escritora. Deus abençoe ricamente sua preciosa vida.

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