Aqui embaixo - Capítulo 1 - O primeiro amor

em quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

 - Oi, Beatriz – disse Caio, abrindo os braços para o que parecia se transformar em um abraço.


Aquilo era novo. Até o ano anterior, os únicos toques que costumávamos trocar eram nas brincadeiras de polícia e ladrão, ou para empurrar o outro na piscina. Mas não era só isso que estava diferente. O menino parecia ter crescido uns trinta centímetros desde a última vez que tínhamos nos visto. E de onde vieram aquele queixo forte, a covinha e o ombro largo...? Enquanto me perguntava se tudo aquilo sempre esteve ali, me dei conta de que ainda não tinha emitido um som sequer. Senti as bochechas queimarem, torcendo para minha famosa facilidade em ruborizar não denunciar a minha confusão.


- Oi, Caio. Quanto tempo!


Era tão estranho toda aquela formalidade! Eu tentava entender o que tinha acontecido durante o ano que estivemos longe, para que, de repente, a nossa conversa se tornasse algo tão robótico e extremamente constrangedor. Apressei-me então na direção das meninas da casa amarela, que sempre me aguardavam na porta, quando sabiam que eu estava chegando.


Já era o quinto ano que eu passava as férias naquela vila de casas na Taquara. Meus pais trabalhavam muito e dificilmente conseguiam conciliar as férias do trabalho com as minhas escolares, mas eu não tinha do que reclamar. Considerava aquele casarão o meu paraíso particular e o condomínio era o meu quintal de luxo. Piscinas, quadras e um bando de adolescentes como eu: sem nada para fazer e com muita energia para gastar. Passávamos horas da nossa vida correndo de um lado para o outro, subindo em árvores, conversando sentados na calçada de frente para a porta de alguém, comendo sacolé da Dona Neusa e explorando tudo o que uma boa infância pode proporcionar. No ano anterior, porém, já tinha sido um pouco diferente. Meninos e meninas pareciam ter se tornado dois grupos separados. Lembro de minhas amigas flertarem com alguns meninos e até de dar cobertura para alguns selinhos. Elas falavam sobre roupas da moda, maquiagem e eu me via completamente entediada. Por isso, eu estava animada, mas também um pouco receosa.


Quando cheguei dessa vez e vi os meninos jogando bola na rua, todo o receio foi embora. Já planejava largar as malas na sala, colocar uma roupa mais confortável e ir lá jogar com eles. Mas não consegui ignorar a sensação estranha que eu tive quando vi o Caio e, principalmente, os pequenos choquinhos que percorreram meu corpo de cima abaixo quando ele me abraçou. Repassei a cena na minha cabeça várias e várias vezes para tentar compreender. Cheguei a cogitar que talvez fosse a sua voz, agora mais grave e rouca, que fizesse ele parecer outra pessoa. Depois pensei também que eu pudesse só ter gostado do perfume dele, e, por isso, não conseguia esquecer o aroma. Mas, por fim, minhas assustadoras suspeitas se confirmaram: eu estava apaixonada!


Foi quando eu procurava um esconderijo novo na região de um bosque mal iluminado que eu enfiei o pé em algum buraco e o torci. Não senti dor de imediato, só levei mesmo um baita susto, o que me fez dar um grito e sentir raiva, pensando que me encontrariam antes mesmo de eu ter me escondido. Só no momento em que tentei dar o primeiro passo pós-buraco é que entendi a gravidade da coisa e então gritei mesmo para ser encontrada, mas ninguém me ouvia. Não sei quantos minutos passei ali no chão, chorando. Mas, como uma boa adolescente, eu tinha talento para o drama. Por isso, minha mente começou a divagar. Enquanto me imaginava em meu leito de morte, tentei visualizar o rosto da última pessoa que eu queria ver antes de fechar os olhos e foi então que observei se desenhar, traço por traço – a começar pela covinha – o rosto de Caio. Tudo se sacramentou no momento em que meus amigos, que - depois eu soube - estavam em uma dedicada busca por mim, vieram correndo ao meu encontro. Caio, numa verdadeira cena de cinema, me carregou nos braços pelas centenas de metros que separavam o fatídico buraco da casa de minha tia. Foi um misto de dor e calafrios inexplicável.


A partir desse momento, me dei por vencida. Eu estava mesmo apaixonada e agora precisava lidar com isso. Não dava nem para sonhar em ser correspondida, tendo em vista que todas as vezes em que esbarrava com ele pelo condomínio, eu era acometida por uma imediata incapacidade de concluir frases. Fazia comentários soltos, como: “E aí?”, “Total!”; “Eita...”. Por isso, não foi sem surpresa que avistei uma mensagem no meu celular no último dia das minhas férias, com os seguintes dizeres: “Ei, Bia! Aqui é o Caio. Peguei seu número com as meninas... Achei que seria legal se a gente continuasse mantendo contato. É isso. Boas aulas!”.


Foram meses e meses de trocas de mensagem, falando sobre qualquer coisa. Me lembro da maravilhosa sensação de ver o nome do Caio piscando na tela do meu celular. Não foi fácil conseguir um primeiro encontro, porque não achava nada simples compartilhar com os meus pais meus sentimentos por um menino, então eu precisei elaborar algumas pequenas mentiras, fazendo minhas amigas de cúmplices. Quando enfim aconteceu o tão esperado pedido, tive a inevitável conversa com meus pais e, não sem resistência, estava enfim namorando.


Foi com o Caio que comecei a conhecer melhor o mundo fora minha rotina casa-escola. Passei a andar de ônibus, juntar dinheiro para ir a shows e passeios e descobri uma verdadeira paixão pelas trilhas. A gente simplesmente amava passar nossas horas no meio da natureza, gastando só com passagens e lanches, apreciando vistas maravilhosas e momentos muito especiais. Foram muitos piqueniques, perrengues e aventuras, mas o meu dia favorito foi quando, no alto da Pedra Bonita, ele tirou uma gaita da mochila e tocou Garota de Ipanema para mim. Eu nem sabia que ele tinha uma gaita. Mas esse era o Caio, surpreendente.


Ele era meu confidente e meu grande incentivador. Hoje eu sei que teve grande participação na mulher que me tornei. Crescemos juntos, construímos juntos o nosso caráter. Ele me abriu os olhos para um mundo diferente do que eu conhecia e eu acho que contribuí de alguma forma com ele também. Por isso, lembrar desse tempo é tão gostoso e sem dor. É só saudade, até mesmo dos momentos das brigas e dos problemas que pareciam tão grandes, mas eram minúsculos.


Eu tinha certeza de que me casaria com ele. Já conseguia pensar na nossa casa de campo com nossos quatro filhos e um cachorro pelo quintal. Eu não conseguia cogitar gostar de outra pessoa na minha vida como eu gostava dele. Mas a verdade é que o que eu achei que seria uma vida inteira foram, na verdade, três maravilhosos anos. Depois disso, eu não sei nem dizer direito o porquê terminamos, mas acho que simplesmente mudamos. Já não nos arrepiávamos com tanta facilidade, nem sentíamos o ar faltar só de pensar em estar longe. E quando as coisas se acalmaram, começamos a notar nossas diferenças. O gran finale de nosso romance veio com uma mensagem que o Caio escreveu para uma amiga e me enviou por engano, reclamando das minhas constantes mudanças de humor. Parece que esta mensagem trouxe à tona uma conversa cheia de pensamentos que ele não tinha ainda compartilhado comigo e a dura constatação de que eu gostava mais dele do que ele de mim. Caio queria lutar por nós, mas eu disse que eu merecia estar com alguém que me amasse.


 Me senti tão extremamente madura naquele dia. Ao mesmo tempo que parecia ser a maior dor que eu já tinha sentido - pior até que a torção no pé -, eu me sentia como a protagonista de um filme de comédia romântica, que iria passar um tempo sozinha, até tropeçar na rua direto para os braços do meu futuro eterno amor. Infelizmente, a vida não é sempre tão leve assim e se fosse para ter algo de Holywoodiano na sequência da minha história, estava mais para um suspense, drama ou terror. Eu queria ter conseguido preservar as doces frustrações de um relacionamento adolescente, mas a verdade é que, às vezes, a vida é realmente dura, cruel e dolorosa e pelos longos anos que se seguiram, eu senti falta daquela menina cheia de amor-próprio. Tinha até me esquecido que ela era eu.

6 comentários:

  1. Como é gostoso ler seus contos, sempre leve e refrescante! Delícia voar na imaginação de um amor de adolescentes! Continue sempre sua linda!

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  2. Sempre surpreendendo, amo esse seu jeito,de se expressar, natural e verdadeiro. Faço votos que siga em frente,vc me orgulha. Linda norinha! Voe!

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  3. Amiga, é o estilo de história que me prende. Continue, estou ansiosa pelos próximos capitulos! Parabéns, arrasando como sempre!

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  4. Muito intenso,curioso e muito bem escrito o texto. Parabéns

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  5. Adorei o texto Rebs, em muitos momentos me vi em diversas situações que passamos na infância. Foi gostoso relembra ♥️

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  6. Gostei!!! Muito bom sentir a leveza das emoções de um amor adolescente!!! Até consegui ouvir o som da gaita de Caio lá de cima de Pedra Bonita!

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