- Oi, Beatriz – disse Caio, abrindo os braços para o que parecia se transformar em um abraço.
Aquilo era novo. Até o ano anterior,
os únicos toques que costumávamos trocar eram nas brincadeiras de polícia e
ladrão, ou para empurrar o outro na piscina. Mas não era só isso que estava
diferente. O menino parecia ter crescido uns trinta centímetros desde a última
vez que tínhamos nos visto. E de onde vieram aquele queixo forte, a covinha e o
ombro largo...? Enquanto me perguntava se tudo aquilo sempre esteve ali, me dei
conta de que ainda não tinha emitido um som sequer. Senti as bochechas
queimarem, torcendo para minha famosa facilidade em ruborizar não denunciar a
minha confusão.
- Oi, Caio. Quanto tempo!
Era tão estranho toda aquela
formalidade! Eu tentava entender o que tinha acontecido durante o ano que
estivemos longe, para que, de repente, a nossa conversa se tornasse algo tão robótico
e extremamente constrangedor. Apressei-me então na direção das meninas da casa
amarela, que sempre me aguardavam na porta, quando sabiam que eu estava
chegando.
Já era o quinto ano que eu passava as férias naquela vila de casas na Taquara. Meus pais trabalhavam muito e dificilmente conseguiam conciliar as férias do trabalho com as minhas escolares, mas eu não tinha do que reclamar. Considerava aquele casarão o meu paraíso particular e o condomínio era o meu quintal de luxo. Piscinas, quadras e um bando de adolescentes como eu: sem nada para fazer e com muita energia para gastar. Passávamos horas da nossa vida correndo de um lado para o outro, subindo em árvores, conversando sentados na calçada de frente para a porta de alguém, comendo sacolé da Dona Neusa e explorando tudo o que uma boa infância pode proporcionar. No ano anterior, porém, já tinha sido um pouco diferente. Meninos e meninas pareciam ter se tornado dois grupos separados. Lembro de minhas amigas flertarem com alguns meninos e até de dar cobertura para alguns selinhos. Elas falavam sobre roupas da moda, maquiagem e eu me via completamente entediada. Por isso, eu estava animada, mas também um pouco receosa.
Quando cheguei dessa vez e vi os meninos jogando bola na rua, todo o receio foi embora. Já planejava largar as malas na sala, colocar uma roupa mais confortável e ir lá jogar com eles. Mas não consegui ignorar a sensação estranha que eu tive quando vi o Caio e, principalmente, os pequenos choquinhos que percorreram meu corpo de cima abaixo quando ele me abraçou. Repassei a cena na minha cabeça várias e várias vezes para tentar compreender. Cheguei a cogitar que talvez fosse a sua voz, agora mais grave e rouca, que fizesse ele parecer outra pessoa. Depois pensei também que eu pudesse só ter gostado do perfume dele, e, por isso, não conseguia esquecer o aroma. Mas, por fim, minhas assustadoras suspeitas se confirmaram: eu estava apaixonada!
Foi quando eu procurava um
esconderijo novo na região de um bosque mal iluminado que eu enfiei o pé em
algum buraco e o torci. Não senti dor de imediato, só levei mesmo um baita
susto, o que me fez dar um grito e sentir raiva, pensando que me encontrariam
antes mesmo de eu ter me escondido. Só no momento em que tentei dar o primeiro
passo pós-buraco é que entendi a gravidade da coisa e então gritei mesmo para
ser encontrada, mas ninguém me ouvia. Não sei quantos minutos passei ali no
chão, chorando. Mas, como uma boa adolescente, eu tinha talento para o drama.
Por isso, minha mente começou a divagar. Enquanto me imaginava em meu leito de
morte, tentei visualizar o rosto da última pessoa que eu queria ver antes de
fechar os olhos e foi então que observei se desenhar, traço por traço – a começar
pela covinha – o rosto de Caio. Tudo se sacramentou no momento em que meus
amigos, que - depois eu soube - estavam em uma dedicada busca por mim, vieram
correndo ao meu encontro. Caio, numa verdadeira cena de cinema, me carregou nos
braços pelas centenas de metros que separavam o fatídico buraco da casa de
minha tia. Foi um misto de dor e calafrios inexplicável.
A partir desse momento, me dei
por vencida. Eu estava mesmo apaixonada e agora precisava lidar com isso. Não
dava nem para sonhar em ser correspondida, tendo em vista que todas as vezes em
que esbarrava com ele pelo condomínio, eu era acometida por uma imediata incapacidade
de concluir frases. Fazia comentários soltos, como: “E aí?”, “Total!”; “Eita...”.
Por isso, não foi sem surpresa que avistei uma mensagem no meu celular no
último dia das minhas férias, com os seguintes dizeres: “Ei, Bia! Aqui é o Caio.
Peguei seu número com as meninas... Achei que seria legal se a gente continuasse
mantendo contato. É isso. Boas aulas!”.
Foram meses e meses de trocas de
mensagem, falando sobre qualquer coisa. Me lembro da maravilhosa sensação de
ver o nome do Caio piscando na tela do meu celular. Não foi fácil conseguir um
primeiro encontro, porque não achava nada simples compartilhar com os meus pais
meus sentimentos por um menino, então eu precisei elaborar algumas pequenas
mentiras, fazendo minhas amigas de cúmplices. Quando enfim aconteceu o tão
esperado pedido, tive a inevitável conversa com meus pais e, não sem resistência,
estava enfim namorando.
Foi com o Caio que comecei a
conhecer melhor o mundo fora minha rotina casa-escola. Passei a andar de ônibus,
juntar dinheiro para ir a shows e passeios e descobri uma verdadeira paixão
pelas trilhas. A gente simplesmente amava passar nossas horas no meio da natureza,
gastando só com passagens e lanches, apreciando vistas maravilhosas e momentos
muito especiais. Foram muitos piqueniques, perrengues e aventuras, mas o meu
dia favorito foi quando, no alto da Pedra Bonita, ele tirou uma gaita da mochila
e tocou Garota de Ipanema para mim. Eu nem sabia que ele tinha uma
gaita. Mas esse era o Caio, surpreendente.
Ele era meu confidente e meu grande incentivador. Hoje eu sei que teve grande participação na mulher que me tornei. Crescemos juntos, construímos juntos o nosso caráter. Ele me abriu os olhos para um mundo diferente do que eu conhecia e eu acho que contribuí de alguma forma com ele também. Por isso, lembrar desse tempo é tão gostoso e sem dor. É só saudade, até mesmo dos momentos das brigas e dos problemas que pareciam tão grandes, mas eram minúsculos.
Eu tinha certeza de que me
casaria com ele. Já conseguia pensar na nossa casa de campo com nossos quatro
filhos e um cachorro pelo quintal. Eu não conseguia cogitar gostar de outra
pessoa na minha vida como eu gostava dele. Mas a verdade é que o que eu achei
que seria uma vida inteira foram, na verdade, três maravilhosos anos. Depois
disso, eu não sei nem dizer direito o porquê terminamos, mas acho que
simplesmente mudamos. Já não nos arrepiávamos com tanta facilidade, nem
sentíamos o ar faltar só de pensar em estar longe. E quando as coisas se
acalmaram, começamos a notar nossas diferenças. O gran finale de nosso
romance veio com uma mensagem que o Caio escreveu para uma amiga e me enviou
por engano, reclamando das minhas constantes mudanças de humor. Parece que esta
mensagem trouxe à tona uma conversa cheia de pensamentos que ele não tinha
ainda compartilhado comigo e a dura constatação de que eu gostava mais dele do
que ele de mim. Caio queria lutar por nós, mas eu disse que eu merecia estar
com alguém que me amasse.
Como é gostoso ler seus contos, sempre leve e refrescante! Delícia voar na imaginação de um amor de adolescentes! Continue sempre sua linda!
ResponderExcluirSempre surpreendendo, amo esse seu jeito,de se expressar, natural e verdadeiro. Faço votos que siga em frente,vc me orgulha. Linda norinha! Voe!
ResponderExcluirAmiga, é o estilo de história que me prende. Continue, estou ansiosa pelos próximos capitulos! Parabéns, arrasando como sempre!
ResponderExcluirMuito intenso,curioso e muito bem escrito o texto. Parabéns
ResponderExcluirAdorei o texto Rebs, em muitos momentos me vi em diversas situações que passamos na infância. Foi gostoso relembra ♥️
ResponderExcluirGostei!!! Muito bom sentir a leveza das emoções de um amor adolescente!!! Até consegui ouvir o som da gaita de Caio lá de cima de Pedra Bonita!
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